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A ESPERANÇA

 

Quanta coisa bela se tem escrito em homenagem a essa virtude! A imaginação genial de notáveis artistas, conseguiu criar símbolos expressivos e eloqüentes, para representar os benefícios mais salientes que a esperança produz no coração humano.

O gênio de Olavo Bilac, numa página brilhante, expõe e analisa todo esse simbolismo. Rememoremos os conceitos que ele magistralmente enuncia.

“A esperança é sempre agradável. Para sublinhar tal característico, os artistas a têm representado por uma jovem de fisionomia serena e compostura graciosa. Puseram-lhe na fronte uma coroa de flores em botão; elas figuram as aspirações que tendem a desabrochar em esplêndidas realidades. Colocaram-lhe na mão direita um lírio, emblema de candura, ou uma flor de lótus, insígnia da ilusão. Representam-na ainda por uma estatueta de vitória, símbolo do triunfo infalível reservado aos que sabem esperar: ou por uma colmeia coroada de abelhas revoantes, figurando assim a abundância que terão os que não desesperam.

“A iconografia cristã deu-lhe outro símbolo mais expressivo talvez do que todos os outros – uma âncora. Realmente, e com a esperança que ancoramos no mar raivoso da vida. A excelsa virtude é ainda representada pela cor verde que nas searas precede, promissoriamente, as fartas colheitas.”

Para Bilac a esperança é sempre um bem. Sustentou ele essa tese afirmando que os bandeirantes, impelidos pela esperança de encontrar tesouros, percorreram regiões imensas do país e não acharam o que desejavam. Em certo sentido a expectativa pulverizou-se. No entanto, ela foi um bem, porquanto novas terras se descobriram e alargou-se o domínio do Brasil no continente. Tinha, pois, alguma razão o famoso poeta, mas existe um conceito diametralmente oposto ao dele:

“Terrível coisa é a esperança”. Esta frase é de Júlio  Ribeiro no livro Padre Belchior de Pontes, pág. 307. Onde está a razão? Com ele ou com Olavo Bilac? Com ambos. A discrepância entre eles é apenas aparente, pois a esperança pode ser um grande bem ou um terrível mal.

Os exemplos em que ela esplende como verdadeiros bens são inumeráveis. Não precisamos, por isso mesmo, a eles referir-nos. Apontemos, então, os casos em que ela, em vez de elevar os homens, transforma-os em vítimas infelizes.

Imaginemos o indivíduo numa banca de jogo. É alta noite. Ele está perdendo consideravelmente, mas continua sempre a jogar. Se lhe perguntarmos que é que o sustenta nessa faina desastrada e comprometedora, ele responderá infalivelmente que é a esperança de reaver o que já perdeu. Esse elemento traiçoeiro é que o acorrenta ao posto em que ele se desgraça.

Ela é que alimenta o vício. Se houvesse um processo mágico para eliminar o elemento esperança da alma de todos quantos estão perdendo fortunas no jogo, eles ficariam curados do vício.

Essa esperança ilusória (do enriquecimento fácil) é a principal responsável pela derrocada dos que aniquilam seus haveres nos cassinos, e entre nós os jogadores na loteria federal, esportiva, na loto e no clandestino jogo do bicho.

Ademais, tem sido a conselheira irrefletida e enganosa, de muitos condutores de homens que movimentaram exércitos para sonhadas conquistas, mas na tentativa de realizá-las, sacrificaram a mocidade e a riqueza da Pátria. Fatos como esses se têm repetido na História. E, como a humanidade se esquece facilmente das lições que recebe, é bem provável que as vítimas das esperanças falsas continuem a existir no decorrer dos séculos.

Ao estar redigindo este artigo para publicá-lo, junho de 1982, estamos assistindo à frustrada esperança do governo argentino de manter seu domínio sobre as Malvinas no Atlântico Sul. A vaidosa esperança de Galtieri trouxe a desesperança para muitas famílias da Pátria irmã, que perderam seus queridos filhos numa batalha inglória.

Mas há uma outra esperança, acalentada por milhões de brasileiros na disputa da copa da Espanha, desejosos de que os nossos jogadores triunfem sobre todas as seleções, chegando ao tetracampeonato.

Miguel Rizzo em seu livro As Três Virtudes, págs. 67 e 68 depois de apresentar vários casos de esperanças malfadadas ele conclui com acerto:

“Que terrível coisa é a esperança!

“Voltemos ao seu simbolismo. Depois das considerações que aqui ficam expostas, se tivéssemos de representá-la por uma estátua, o que mais nos interessaria, não seria nem a atitude, nem o colorido e nem outros elementos de maior ou de menor importância na representação, mas sim, sobremodo, o pedestal. Deva ser ele sólido, granítico, maciço e inabalável, porque afinal de contas, o que de mais importância há na avaliação da esperança é o fundamento em que ela se levanta.

“Uma esperança desfeita tem reflexos acabrunhadores na vida. Grande é o número de personalidades que se esmagam, quando sofrem experiência desse tipo. Ora, a esperança não se limita a alentar-nos no mundo: ela se projeta, magnífica e luminosa para o Além. Se uma esperança desfeita aqui na terra tem efeitos tão deprimentes, que se poderia dizer da que se pulverizasse precisamente nos umbrais da eternidade? Por todos os motivos, pois, cuidar dos fundamentos da esperança é um sinal de sabedoria, de prudência e de visão esclarecida”.

 

Nota: Este tema foi baseado, especialmente, no livro de Miguel Rizzo, As Três Virtudes.

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