CULTIVAR BOAS AMIZADES
Que é amizade?
É um sentimento que consiste em estimar a outrem, querer a sua presença, desejar-lhe todo o bem possível, é um sentimento que traz grande encanto à vida.
Na sua origem, a palavra significa atração recíproca entre duas pessoas, que têm as mesmas tendências e os mesmos hábitos. A amizade é uma dedicação menos intensa, mas mais firme e duradoura que o amor.
Os mais notáveis sábios e filósofos da antigüidade glorificaram a amizade, chegando Cícero a equipará-la à sabedoria.
Em Roma, a amizade era representada por uma jovem coroada de flores. Na sua mão direita ostentava dois corações presos por correntes, mostrando com a mão esquerda o peito até o coração, no qual se lia a seguinte frase – de perto e de longe. Na orla do seu vestido se encontravam impressas estas significativas palavras: Para a morte e para a vida.
Sim, a verdadeira amizade deve ser cultivada, quer estejamos perto, quer estejamos longe e mesmo a própria morte não a pode extinguir.
Os antigos pagãos, davam tanto valor à amizade, que a colocavam entre as virtudes divinizadas, ao lado da fé, da esperança e do pudor.
Algumas pessoas pessimistas têm afirmado: Mas isto foi no passado, no mundo de hoje, caracterizado pela pressa e utilitarismo, não há mais lugar para belas e profundas amizades. Chegam outros a afirmar que a amizade não passa de uma bela figura de retórica. Como confirmação de sua tese, apontam múltiplos exemplos, de amigos atraiçoados pelos amigos e abandonados nas horas mais incertas e difíceis. Este pensamento nos faz lembrar da declaração do Profeta Jeremias, em seu livro, capítulo 9, verso 4:
“Guardai-vos cada um do seu amigo e de irmão nenhum vos fieis; porque todo irmão não faz mais do que enganar, e todo amigo anda caluniando.”
De fato a civilização materialista, egoísta e apressada em que vivemos nos impressiona, mas apesar disso ainda há almas nobres, generosas e altruístas que sabem cultivar imorredouras, sinceras e admiráveis amizades.
Enquanto houver consciências dignas e espíritos elevados existirá esta nobre virtude.
Pensamentos de Literatos e Filósofos Sobre a Amizade
Os provérbios e explicações sobre a amizade são muitos, alguns inexpressivos, mas outros profundos e significativos.
Fazendo uma pesquisa, na rica messe existente, eis alguns dos que mais me impressionaram:
“Só pode haver verdadeira amizade entre os que acreditam nos mesmos valores.” L. Lavelle
“O verdadeiro amigo exige tudo e tudo perdoa, dizia Mme du Deffand. Deus é nosso verdadeiro amigo.” G. Cesbron
“A verdadeira amizade sorri na alegria, consola na tristeza, alivia na dor e se eterniza em Deus.” J. Calvet
“A amizade é um aroma que perfuma a vida, uma suavidade que a encanta, uma lembrança que a embeleza.” Lamartine
Cícero, o grande tribuno latino, assim se expressou sobre ela: “A amizade torna mais suportável a adversidade.”
Outra ocasião declarou:
A amizade vale mais que a prata e o ouro.
A amizade não se adquire senão pela amizade.
A amizade finda onde a desconfiança começa.
Santo Ambrósio, em Os Três Livros das Obrigações Cristãs Civis, tem bons pensamentos sobre esta virtude cristã:
“Abra o seu coração ao amigo, para que lhe seja fiel, e dele colha o gosto pelas coisas elevadas da vida, pois o amigo fiel é remédio para a vida”.
“Não falte ao amigo na necessidade; não o deixe, nem o desampare, porque a amizade é o socorro da vida”.
Notem bem para esta última declaração, prezados jovens: “Vocês não devem ser amigos de quem for infiel a Deus”.
Émerson declarou: Há três elementos para a composição de uma verdadeira amizade:
1º) Ser sincero: amigo é uma pessoa sincera, quem usa de falsidades não faz amizades.
2º) Ser bondoso, isto é, ter interesse leal no bem estar dos outros.
3º) Ser magnânimo, porque para fazer amizades é necessário ter ânimo grande, compreender os outros.
Há um provérbio que diz: O homem precisa ter um amigo a quem possa desabafar e no qual possa confiar.
Quando há lutas, tristezas e decepções, quão bom é termos um amigo a quem podemos abrir o nosso coração.
Exemplos de Amizades Célebres na História
1º) Alexandre Herculano, o notável historiador português, homem de caráter austero e digno teve grande amizade pelo Rei D. Pedro V. Quando D. Pedro faleceu, o grande vulto das letras lusitanas chorou. “Foi a primeira vez”, revela Bulhão Pato, “que vi Alexandre Herculano chorar como uma criança.”
2º) A amizade que uniu Garrett e Gomes de Amorim está entre aquelas que não podem ser esquecidas. Gomes de Amorim estava no Brasil trabalhando como empregado de uma casa comercial, quando apareceu a primeira edição do poema Camões de Almeida Garrett. Amorim lê o livro e escreve ao autor, contando da sua admiração pela obra. O eminente escritor, com o cavalheirismo e elegância que lhe eram peculiares, respondeu a carta do humilde caixeiro de 17 anos, com palavras generosas e animadoras. Amorim regressa a Portugal, dirige-se a Lisboa, onde chega com apenas 300 reis no bolso. Procura Garrett que
o acolhe afetuosamente, conseguindo-lhe um emprego. Esta atitude de um homem ilustre por uma pessoa obscura merece o nosso respeito e admiração. Esta amizade não apenas se prolonga durante a existência dos dois, mas vai além da morte, pois após o falecimento de Garrett, foi Amorim quem escreveu a biografia do grande romântico português e mais do que isto, defendeu-o das setas eivadas daqueles que o invejavam e caluniavam.
3º) Um jovem ia separar-se da sua noiva para ir a uma terra distante. Ao despedir-se da noiva, em vez de dizer-lhe palavras românticas ou vulgares, teve, quando lhe apertava a mão comovida e trêmula, esta simples frase, que era a síntese do grande amor que lhe ia na alma. “Firme como uma rocha”.
Esta frase foi um incentivo aos dois para não esquecerem o sentimento que os unia. Bem diferentes deste caso, têm sido muitos outros noivos que se separam durante algum tempo.
Citar o exemplo de uma moça do I.A.E. que recebeu o convite para o casamento do noivo.
A frase: “Firme como a rocha” nos sugere que assim também devia ser a verdadeira amizade. De modo que nem a ausência, nem o tempo consigam destruir este maravilhoso afeto que une duas almas.
4º) A amizade entre Damão e Pítias.
Quem já não ouviu falar da amizade que uniu Damão e Pítias, dois filósofos que viveram no tempo de Dionísio, o tirano de Siracusa. Dionísio se tornou famoso na história pelas atrocidades que cometeu, pois sob o menor pretexto mandava matar os seus súditos. Construiu várias prisões subterrâneas onde encerrava as suas vítimas.
Uma intensa e profunda amizade unia Damão e Pítias. Por uma fútil razão Pítias foi condenado à morte, mas pediu a Dionísio algum tempo para arrumar a sua vida e solucionar os seus negócios. Damão se ofereceu para morrer em lugar do amigo, se este não estivesse de volta no momento fixado. Chegou a hora do suplício, muita gente se havia reunido, inclusive o tirano, para assistir à execução. Damão ia ser
executado, quando apressadamente irrompe por entre a multidão Pítias apresentando-se para a morte. Dionísio, apesar de sua maldade e severidade ficou comovido, perdoou a Pítias pedindo aos dois filósofos que o admitissem como 3º componente naquela sublime e extraordinária a amizade. Aceitaram estes dois ami
gos a sua proposta? Absolutamente, pois Dionísio devido ao seu caráter, não era digno de partilhar tão extraordinário sentimento que unia estes dois vultos da história.
Amizade na Bíblia
Sendo a amizade uma das maiores bênçãos do céu, na Bíblia também encontramos o relato de belas e sublimes amizades, mas as três mais inspiradoras e significativas são as seguintes:
1ª) A amizade cultivada por Jônatas e Davi, relatada em Samuel 18. No verso 1 lemos:
“Sucedeu que, acabando Davi de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a de Davi; e Jônatas o amou como à sua própria alma.”.
Dentre os exemplos bíblicos de amizade, nenhuma se agiganta, como esta que uniu o filho de um rei a um simples e humilde pastor de ovelhas.
Jônatas se coloca ao lado do amigo, contra o seu próprio pai, avisando Davi dos perigos que o assediam, chegando a arriscar a própria vida em prol do amigo.
I Samuel 20:4 declara que Jônatas disse a Davi: Eu farei por ti tudo o que a tua alma me disser. Esta expressão traduz o profundo sentimento de amizade que os unia.
Este sentimento era tão profundo, que quando Jônatas foi morto Davi exclamou: Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres.
Por esta expressão, Davi demonstrara a profundeza da amizade que dedicava a Jônatas. Jônatas sofrera a perda da coroa e do reino devido a
sua afeição por Davi. Para Jônatas esta amizade significava muito mais do que fama e fortuna.
Depois dos pais, nenhuma influência terrena sobre a vida de alguém se iguala, a de um verdadeiro amigo.
A clássica história de Davi e Jônatas, nos mostra que, para que haja amizade verdadeira entre duas pessoas, é necessário que elas possuam qualidades afins.
Infelizmente, este digno exemplo de amizade, tem sido citado negativamente por uma parcela de nossa sociedade, que nutre um vício deprimente e aviltante em defesa de suas taras e indignidades.
2ª.) A amizade de Noemi à sua sogra Rute é de uma ternura e de uma significação fora do comum. A confirmação do cultivo desta virtude nós a encontramos em Rute 1:16:
“Disse, porém, Rute: Não me instes para que te deixe e me obrigue a não seguir-te; porque, aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus.”
3ª) A amizade que unia Jesus à família de Betânia e ao discípulo amado.
Cristo quando esteve na Terra teve muitos amigos e demonstrou o belo sentimento da amizade a muitas pessoas, mas os dois episódios mais conhecidos são estes:
a) Em Lucas 10:38-40 há um relato simples que nos mostra a afeição que Cristo dedicava a uma família, cujos componentes eram: Maria, Marta e Lázaro.
Sendo que Jesus era amigo de Lázaro, as irmãs se valeram desta amizade, para pedir-lhe que viesse para auxiliar a Lázaro que estava enfermo.
Em João 11:11 Jesus declarou: “Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo.” Jesus se impressionou tanto com a morte daquele amigo dedicado e sincero, comovendo-se de tal maneira que chegou a chorar.
Jesus notabilizou o sentimento da amizade, dando-nos o exemplo para que cultivemos mais este sentimento entre nós.
b) A amizade profunda que o Divino Mestre dedicou a João, conhecido como o discípulo amado, é verdadeiramente impressionante. Esta amizade é evocada no quadro da ceia, quando João encostava a sua cabeça, ao peito de Jesus. Esta amizade vai além da morte do Salvador, pois João levou Maria, a mãe de Jesus, e cuidou dela até a sua morte.
Como Cultivar Amizades
Para o cultivo de leais amizades, é necessário que a pessoa esteja disposta a fazer sacrifícios, a ser altruísta, ou pensar nos outros, cuidar dos outros e agir pelos outros.
Amizade só se conquista pela amizade.
Para conquistar amigos é preciso ser prudente e amável.
O padre Manuel Bernardes afirma o seguinte: “Não é bom para amigo quem não sabe guardar segredo.”
Quão bela seria a vida se fosse dada mais atenção à verdadeira amizade, num mundo retalhado por inimizades mesquinhas e por ódios implacáveis, só a amizade e o amor poderão restabelecer o ambiente de fraternal concórdia cristã.
Só o culto da amizade terá força para atrair sobre o mundo o equilíbrio e a paz de que ele tanto carece.
Ao ensejo da tradicional Festa da Amizade em nosso Colégio, que os nossos pensamentos se voltem para este extraordinário sentimento – que cultivemos profundas e duradouras amizades, para que a vida se torne mais agradável, pois como disse alguém: A amizade é um oásis maravilhoso no meio do deserto das almas, é uma ilha encantada que todos os navegantes procuram, e os náufragos, nas horas do mar tempestuoso com ansiedade e aflição a buscam.
Palestra proferida na Reunião dos Jovens, no CAB, em 1948.
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